12 Abril 2019
De joelhos, beijando os pés dos líderes do Sudão do Sul, para que “o fogo da guerra se apague de uma vez por todas” no país africano. O Papa Francisco fez um gesto inesperado na Casa Santa Marta, onde concluiu o retiro espiritual, no Vaticano, das principais autoridades religiosas e políticas sudanesas do sul, concebido pelo arcebispo da Cantuária, Justin Welby.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio e foi publicada em Vatican Insider, 11-04-19. A tradução é de Graziela Wolfart.
Foto: Reprodução Twitter Antonio Spadaro
O Pontífice implora a paz para o povo do Sudão do Sul, destroçado por quase seis anos de guerra civil que acarretaram em mais de 400 mil mortos. Tornou concreta esta oração ajoelhando-se diante do presidente Salva Kiir e dos vice-presidentes designados Rebecca Nyandeng De Mabior, viúva do líder sudanês do sul John Garang, e Reik Machar, líder da oposição. Em virtude do acordo assinado em setembro (Revitalização do Acordo sobre a Resolução do Conflito no Sudão do Sul), assumirão altos cargos de responsabilidade a nível nacional no próximo dia 12 de maio.
“A vocês três, que assinaram o acordo de paz, lhes peço, como irmão: permaneçam na paz”, disse Bergoglio. “Peço com o coração: vamos em frente, haverá muitos problemas, mas não se espantem. Continuem, resolvam os problemas. Vocês iniciaram um processo; que acabe bem! Haverá lutas entre vocês, mas que sejam dentro do gabinete. Na frente do povo, as mãos unidas! Assim, de simples cidadãos, se converterão em pais de nações. Permitam-me pedir isso com o coração, com meus sentimentos mais profundos”.
“A paz é possível, não me cansarei nunca de repetir isso”, afirmou Francisco várias vezes durante seu discurso à cúpula do estado mais jovem do mundo, que conquistou sua independência do Sudão em 2011. “A paz é possível”, mas requer um “forte compromisso dos homens responsáveis com o próprio povo”.
Mapa da África, com destaque ao Sudão do Sul Fonte: Map to Chart | Edição IHU
Precisamente o povo é a maior preocupação do Bispo de Roma. “Meus pensamentos –disse – vão principalmente para as pessoas que perderam seus entes queridos e suas casas, para as famílias que se separaram e que nunca voltaram a se encontrar, para todas as crianças e idosos, para as mulheres e homens que sofrem terrivelmente devido aos conflitos e às violências que espalharam morte, fome, dor e lágrimas”.
“Este grito dos pobres e dos necessitados são ouvidos fortemente, penetra os céus até o coração de Deus Pai, que quer dar-lhes justiça e paz”, destacou Francisco. “Penso incessantemente nestas almas que sofrem e imploro que o fogo da guerra se apague de uma vez por todas, que possam voltar para suas casas e viver em paz. Suplico a Deus onipotente que a paz chegue a sua terra, e me dirijo também aos homens de boa vontade para que a paz chegue a seu povo”.
Paz, disse o Papa, que é “o primeiro dos dons que o Senhor nos trouxe”, é também a “primeira tarefa que os chefes das nações devem perseguir”: é “a condição fundamental para o respeito dos direitos de cada homem e para o desenvolvimento integral do povo inteiro”. As pessoas do Sudão do Sul invocam esta paz e agora a esperam como um dom que surja do evento em Roma. Não “um costumeiro e comum encontro bilateral ou diplomático entre o Papa e os chefes de Estado”, explicou o Papa, muito menos uma “iniciativa ecumênica entre os representantes das diferentes comunidades cristãs”, mas “um retiro espiritual” para suscitar, mediante o recolhimento interior, “bons frutos” para si mesmos e para as comunidades às quais pertencem.
“Neste momento desejo assegurar minha proximidade espiritual a todos seus compatriotas, em particular aos refugiados e aos doentes, que ficaram no país com grandes expectativas e com a respiração suspensa, esperando o resultado deste dia histórico”, disse o Pontífice. “Estou certo de que eles, com grande esperança e intensa oração em seus corações, acompanharam nosso encontro. E, como Noé esperou que a pomba lhe levasse o ramo da oliveira para demonstrar o fim do dilúvio e o início de uma nova era de paz entre Deus e os homens, da mesma maneira seu povo espera sua volta à pátria, a reconciliação de todos seus membros e uma nova era de paz e prosperidade para todos”.
O Papa também recordou a “enorme corresponsabilidade para o presente e para o futuro do povo sudanês do sul” que se traduz em se comprometer “com novo vigor e reconciliados, na construção de sua Nação”. “O gemido dos pobres que têm fome e sede de justiça nos obriga em consciência e nos compromete em nosso serviço”, destacou.
Tanto os líderes políticos como os líderes religiosos foram “eleitos por Deus”, mas também o foram “pelo povo, para que o sirvam fielmente”. “Neste serviço talvez tenhamos cometido erros, alguns menores, outros maiores”, observou o bispo de Roma, mas o importante é seguir em frente conscientes de que há um povo que olha e que este olhar “expressa o desejo ardente de justiça, de reconciliação e de paz”.
“Nunca me cansarei de repetir que a paz é possível!”, insistiu Jorge Mario Bergoglio, que invocou “a vitória da paz sobre esses cúmplices da guerra que são a soberba, a avareza, a sede de poder, o interesse egoísta, a mentira e a hipocrisia”.
O Pontífice deseja que todos saibam acolher “a altíssima vocação de ser artesãos de paz, em um espírito de fraternidade e solidariedade com cada membro de nosso povo, um espírito nobre, correto, firme e valente na busca da paz mediante o diálogo, a negociação e o perdão. Peço-lhes, portanto, a buscar o que lhes une, começando pela pertença ao mesmo povo, e superar tudo o que lhes divide. As pessoas já estão cansadas e exaustas pelas guerras passadas: lembrem que com a guerra tudo se perde! Sua gente hoje clama por um futuro melhor, que acontece através da reconciliação e da paz”.
Papa Francisco reunido com os líderes do Sudão do Sul, no Vaticano. Foto: Vatican Media
Por isso um novo chamado do Papa para que “terminem definitivamente as hostilidades, que o cessar-fogo seja respeitado (por favor, que se respeite o cessar-fogo!), que as divisões políticas e étnicas sejam superadas e que a paz seja duradoura, pelo bem comum de todos os cidadãos que sonham em começar a construir a Nação”.
O Papa Francisco terminou o encontro com uma oração comum, mas antes confirmou o “desejo” de viajar em breve “para sua amada nação”, na companhia do arcebispo Welby e do moderador da Igreja Presbiteriana da Escócia, John Chalmers. Ambos assinaram as Bíblias que todos os participantes do retiro receberam. E em cada exemplar também tinha escrita a frase: “Busca o que une. Supera o que divide”.
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Papa se ajoelha e beija os pés das autoridades do Sudão do Sul e lhes pede paz e reconciliação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU